Qualquer time com gestão séria, coerente e justa demitiria o head coach em caso de um histórico nada honroso, de apenas uma vitória e vinte e oito derrotas em dois anos, pior índice desde a marca de dois triunfos em vinte e oito jogos do Tampa Bay Buccaneers entre 1976 e 1977, os dois primeiros da franquia na liga.
Porém, quando se trata de Cleveland Browns, a regra é uma só: não existem regras! Por isso mesmo, ao invés de Hue Jackson, técnico, coordenador ofensivo e forjador de desculpas nas horas vagas, ser o indicado para ser ceifado, Jimmy Haslam preferiu mandar para a rua o vice presidente executivo de futebol, Sashi Brown, que, com Paul DePodesta, arquitetou um possível Moneyball na NFL.
A justificativa dada por Haslam é a de que “os resultados não agradavam e que era necessária uma mudança firme rumo ao sucesso desejado”. No lugar de Brown, foi contratado John Dorsey, ex-general manager do Kansas City Chiefs, que ajudou a montar o time que alcançou os playoffs pela terceira temporada consecutiva. Para entender melhor a situação toda, vamos analisar os três lados dessa história, tanto de Hue Jackson, quanto de Sashi Brown e Jimmy Haslam.
Hue Jackson
Um retrospecto de 1-31 em dois anos, pior que o Tampa Bay Buccaneers de 1976-77 de John McKay, 0-16 na temporada 2017, sendo este o primeiro time da história a alcançar tal marca depois do Detroit Lions de 2008, o desempenho pífio durante as partidas… Exemplos não faltam para demonstrar como a passagem do ex-offensive coordinator do Cincinnati Bengals tem sido.
Jackson chegou em Cleveland em 13 de janeiro de 2016, após uma temporada decepcionante de Mike Pettine, que fechou a participação no time com uma derrota melancólica diante do Pittsburgh Steelers, em casa, que culminou na campanha 3-13 decisiva para a demissão dele, do general manager Ray Farmer e mais um processo de rebuild (que tratarei adiante).
As expectativas, a princípio, não eram muito altas a curto prazo, mas sim de um trabalho longo e duradouro de construção da equipe, com base em poucos jogadores experientes e muitos que viessem por free agency e draft que pudessem agregar valor. A partir disso, Hue teve a liberdade de escolher o corpo técnico que fosse do seu agrado e trabalhar com o elenco que lhe foi dado, apesar das limitações conhecidas.
Considerando isso, Jackson foi atrás de Ray Horton, coordenador defensivo do Tennessee Titans, que havia trabalhado nos Browns em 2013 e ainda recebia a multa rescisória do antigo contrato. Essa foi uma das ações no mínimo duvidosas, mas que foram realizadas por conta da carta branca dada ao head coach para que o processo de montagem do time fosse a seu modo.
Além das mexidas no corpo técnico, que, aliás, não tem um offensive coordinator até o momento (nota do editor: o texto foi escrito antes da contratação de Todd Haley, ex-Pittsburgh Steelers, para o cargo de coordenador ofensivo) pelo fato de o próprio Hue Jackson assumir a responsabilidade de chamar as jogadas de ataque, os Browns acertaram a contratação de Robert Griffin lll. Sim, aquele mesmo que não vive uma boa temporada desde 2012, quando foi draftado. Segundo Hue, RGlll fez um treino privado tão bom que, em determinados momentos, o técnico “sentiu a Terra se mover sob os próprios pés”. Com o aval de Jimmy Haslam, Jackson recebeu o tão sonhado QB de presente para a temporada 2016.
O elenco foi fechado através de jogadores escolhidos no draft, cortes no roster e outros nomes menos relevantes da free agency. A campanha da primeira temporada foi um doloroso 1-15, com a única vitória vindo na véspera do Natal, em casa, graças a um field goal bloqueado de Josh Lambo no último lance. O quarterback que terminou aquela partida foi Cody Kessler, o 26º desde a volta do time à NFL, em 1999. Cody, aliás, foi draftado na terceira rodada daquele ano a mando de Jackson, que via nele um potencial Franchise QB, apesar de ter problemas com a força do braço, que foram notados durante a temporada.
A frustração de 2016 parecia ter ficado no passado conforme o time foi ganhando corpo e Hue fazia mexidas no corpo técnico, ao mandar Ray Horton embora outra vez de Cleveland e trazer Gregg Williams, coordenador defensivo famoso pelo estilo agressivo dos esquemas que costuma montar.
O draft da temporada 2017 trouxe mais jogadores que vieram para agregar valor, principalmente pela primeira escolha geral, o defensive end Myles Garrett, que, segundo análises, tem calibre de um potencial Hall of Famer. Entre os outros nove selecionados, o quarterback DeShone Kizer, de Notre Dame, foi incorporado a mando de Hue, vendo no signal caller um novo salvador da pátria a ser amadurecido ao longo do tempo.
A esperança, porém, foi para o ralo logo no primeiro jogo da temporada regular, no qual os Browns perderam a décima oitava partida de abertura em 19 anos na liga. A partir daí, veio uma sequência de derrotas das mais variadas: apertadas como foi o 12 a 9 contra o Titans e largas como o 31 a 7 contra os Bengals, com viradas como no 38 a 24 para o Lions e choradas como no 27 a 21 para os Packers na prorrogação… A gosto de quem vê.
Em todas, pudemos ver o mesmo discurso. Não estranhe se, quando pensar em entrevistas pós-jogo do Hue Jackson, lembrar de frases como: “Temos que fazer melhor”, “estamos quase lá”, “erramos hoje mas vamos acertar na próxima”, “vou assistir o jogo e te respondo sobre isso”. Os clichês mais batidos estavam na ponta da língua para qualquer resposta, a ponto de as entrevistas serem previsíveis, para não dizer monótonas.
Ainda ostentando o título de “guru de quarterbacks” após fazer Andy Dalton se tornar jogador com calibre de Pro-Bowl, Hue se manterá no cargo em 2018 com muito a provar, considerando o regresso entre uma temporada e outra, além de reconquistar a confiança dos jogadores que acabou queimando, como o próprio Kizer ao escalar como titular, tirar dos jogos e criticar repetidas vezes, e também trazer um coordenador ofensivo que possa agregar um playbook que funcione, ao invés do plano de jogo pragmático e arcaico, baseado em jogadas de passe.