O clima estava tenso na cidade de Atlanta, policiais protegiam as ruas e os entornos do estádio Fulton Country. Multidões se aglomeravam na esperança de ver a pessoa mais vigiada dos Estados Unidos naquela semana, tanto admiradores, quanto rivais e jornalistas, todos queriam um pouquinho dele. A grande pergunta pairava no ar: “Será? Será que ele vai realmente quebrar o recorde de Ruth?”, uma coisa que hoje pode não parecer tão grande, teve grandes implicações na época, e é um marco ativista dos esportes.
Os primeiros dias
Henry Louis “Hank” Aaron, nasceu no dia 5 de fevereiro de 1934 em Mobile, Alabama. Ele cresceu em meio a época da segregação racial nos Estados Unidos, sendo sempre visto como inferior a outros, sempre sujeito a sofrer violência apenas pela sua pele. Hank conta que lembra de acordar no meio da noite com sua mãe dizendo: “Se esconda debaixo da cama!”, a Ku Klux Klan estava marchando pela cidade.
Em 1954, aos 20 anos, ele fazia a sua estreia na Major League Baseball, jogando pelo (na época) Milwaukee Braves, e logo se consolidou como a estrela do time. Em 1957, conquistou seu único título de MVP. Por toda a carreira, Hank era ovacionado quando estava dentro do ball park, mas fora dele era tratado com ódio, mas não tanto até aquele momento, até aquela primeira semana de abril de 1974.
O Recorde
Não há como mensurar o que a marca de 714 home runs significava para os fãs de beisebol da época. Era algo inigualável, inalcançável, o recorde pertencia a Babe Ruth e para sempre deveria ser. Babe Ruth sempre foi o ídolo da América, o jogador mais midiático, o mais amado de seu tempo, uma entidade, um santo canonizado no imaginário americano. Como que esse homem negro poderia ousar desafiar a coroa de Ruth? Com a vida ele deve pagar!
Por toda a nação, racistas e supremacistas brancos enviavam cartas gentis para a família Aaron, aos montes. Ele chegou ao ponto de precisar contratar uma secretária, para receber e ler as mensagens carinhosas que aquelas pessoas muito gentis lhe enviavam. Foi reportado pelo FBI, que mais de 3 mil cartas foram recebidas, apenas naquela semana. Ameaças não só de morte, sua filha pequena, Coile, foi grande alvo das ameaças. A vida de Hank estava em perigo constante, por isso ele tinha duas opções: abaixar a cabeça ao racismo e a opressão ou enfrentar tudo isso e sofrer as piores consequências.
“A maravelous moment for the baseball”
O dia 08 de abril de 1974 nunca vai sair dos ouvidos e olhos daqueles que o viveram. A segurança policial reforçada pelas ruas, a tensão no ar, a expectativa pelo jogo da noite. 53.775 pessoas se espremiam dentro do estádio para assistir a partida do Atlanta Braves contra o Los Angeles Dodgers, mas todos sabiam que a situação estava longe de ser tranquila, o Atlanta Journal até escreveu um pré obituário de Hank, porque, vai que né…
Ele tinha uma escolha, ele poderia apenas jogar discretamente, afinal ele era um gênio, mas ele escolheu enfrentar as adiversidades, aquele preconceito deveria ser rompido, tinha de acabar. A expectativa do público logo foi sanada, na quarta entrada, Al Downing arremessa a bola e POW! A bola vai parar além do muro! Home Run de Hank Aaron, o 715°! Quando estava chegando no home plate, sendo ovacionado pelos fãs, ele recebe um abraço da sua mãe, “não de alegria” disse ela, “mas para proteger meu filho de franco-atiradores”.
Ele conseguiu! Agora, ele havia suplantado o grande deus do beisebol e herói da nação. Ele era o novo rei dos home runs. “Eu só me sinto aliviado. Agradeço a Deus que tudo acabou.” Ao rebater essa bola, ele não estava apenas jogando beisebol, ele estava enfrentando todo um sistema de opressão que ele e seus antepassados viviam a mais de 200 anos. Era uma pequena rebatida para Aaron, mas um salto imenso para a humanidade.
O narrador do Dodgers, Vin Scully disse: “Que momento maravilhoso para o beisebol. […] Que momento maravilhoso para esse país e para o mundo. Um homem negro está sendo aplaudido de pé, num estado do Sul, por quebrar um recorde de um líder eterno do beisebol”
Legado de Hank
Essa história, se adicionar mais algum tempero aqui e ali, se tornaria um ótimo conto da Disney, mas não isso que ela é. Hank até hoje, e para sempre, será um símbolo de resistência e luta em meio ao racismo. Com o seu talento e com muito trabalho ele conseguiu chegar ao ápice do esporte, mas era sempre rebaixado pelo fato de ser negro, nunca foi lhe dado o crédito devido durante a sua carreira. Hank, assim como Jackie e Frank Robinson, abriu as portas para uma nova geração de crianças que sonhavam em jogar nas grandes ligas, e são modelos que até hoje as pessoas se inspiram e exaltam.
Em 2020, durante as manifestações do Black Lives Matter, Hank disse: “Estamos andando na direção certa, e tivemos muitas melhoras, mas nós ainda temos um longo caminho a percorrer”. Aaron triunfou em meio à opressão, não sobre ela. Quando você pensar nele, pense nos seus feitos, no seu recorde. Pense na sua opressão também.