Josh Gordon sobre o vício, sua volta à NFL e uso de drogas antes dos jogos

Em entrevista inédita, o recebedor do Browns admite que tinha algo em seu sistema “provavelmente todos os jogos de sua carreira”.

Josh Gordon sabe que ele não tem mais chances – pelo menos isso é o que o wide receiver, frequentemente suspenso do Cleveland Browns, disse na última quarta-feira, 1º, horas antes de se encontrar com o Comissário da NFL Roger Goodell para pedir por uma nova oportunidade.

(Foto: GQ)

Com exceção do seu ano de novato em 2012, Gordon, hoje com 26 anos, perdeu todas as temporadas, ou parte das mesmas, de sua carreira profissional no futebol americano por causa dos seus problemas com abuso de substâncias. Ele não joga uma partida de temporada regular desde dezembro de 2014, estando ausente em 51 dos últimos 56 compromissos do seu time, e ficando mais de 100, dos 1.052 dias em que estava fora, na reabilitação. Quando ele realmente jogava, era excepcional, atingindo 1.646 jardas em 2013, sendo o melhor da liga (e fazendo isso em apenas 14 jogos).

Na última semana, ele foi para Nova Iorque para suas audiências de reestabelecimento, tentando novamente convencer os executivos da liga de que ele teria controle de sua sobriedade. E funcionou. Na noite de quarta, Gordon foi reestabelecido na NFL de modo condicional. “Sujeito a cumprimento com exigências clínicas, além de outras” – linguagem usada na declaração da NFL, que significa, dentre outras coisas, testes de drogas negativos e encontros com o AA (Alcoólicos Anônimos) – ele poderá voltar aos treinos do Browns a partir de 20 de novembro. Obviamente, é exatamente esse cumprimento que sempre foi o problema.

Gordou sofreu com diversas suspensões por violar repetidamente a política de abuso de substâncias da liga – dois jogos em 2013; dez em 2014; toda a temporada de 2015. Em 2016, ele foi reestabelecido (embora tenha tido uma suspensão de quatro jogos no começo da temporada) e estava no caminho para voltar a jogar. Então, durante uma viagem do time para dois jogos, um membro da segurança do Browns o tirou de campo e disse que um mandado havia sido expedido por não cumprimento com um teste de paternidade. Ele disse que se perguntou “quem é essa garota? Se existe uma criança, quem é essa criança?”. Por dois domingos seguidos, enquanto o time estava na estrada, ele ficou para trás (jogadores suspensos não viajam) e se “automedicou”. Então, na quinta semana da temporada, quando ele deveria voltar para o campo, ele optou ir para a reabilitação.

Foi a segunda temporada consecutiva que o jogador perdeu – e a segunda temporada seguida em que a NFL teve que seguir sem um de seus jogadores mais dinâmicos. Com 1,92 m e 104 kg, ele tem uma altura incomum a seu porte físico; e um porte físico incomum a sua velocidade. (Tim Montgomery, seu técnico e antigo atleta olímpico, disse que ele poderia ser um campeão olímpico se ele treinasse para isso).

O último recebedor a ter essa combinação de habilidades para detonar as defesas foi Calvin Johnson, um atleta tão dominante fisicamente que teve seu apelido em homenagem a um robô fictício com canhões alimentados por laser no lugar dos braços. Gordon se tornou o primeiro recebedor com jogos consecutivos de mais de 200 jardas recebidas (237 e 261). Isso é ainda mais impressionante quando se descobre que ele não estava sóbrio em nenhum dos dois. Ou em qualquer jogo. Gordon disse que ele tinha algo em seu sistema “provavelmente em todos os jogos de sua carreira”.

Desde que ele foi para a reabilitação por 35 dias em 2016, Gordon basicamente se ausentou dos olhos do público. Quando saiu em meados de Outubro, ele se mudou para Gainesville, conseguiu “provavelmente o melhor estado físico da sua vida”, tentou o restabelecimento na NFL em março de 2017 (que foi negado em maio) e ficou sóbrio por seis meses. Ele sentiu que merecia uma recompensa. “Eu queria essa recompensa da forma que eu conhecia”, comentou. “E isso era drogas e álcool”. Gordon disse que “entrava em um bar e tomava dois drinks” e então ia embora, tentando arranjar uma forma de não ir para casa para fazer com que aquilo durasse um pouco mais. Isso é o que ele chama de seu “fundo do poço”. Então, voltou para a reabilitação — dessa vez por “bem mais que três meses”.

Agora, ele está fora das drogas (de novo), sóbrio (de novo) e tem uma oportunidade no estrelato da NFL (de novo). O time do Browns, que está 0-8, pode ter grande uso dele. A NFL – envolvida em uma controvérsia em relação ao hino nacional, e com seus jogadores mais virais, famosos e amigáveis (Watt, Rodgers, Beckham Jr.) fora devido a lesões – também poderá. Obviamente, existe uma insensibilidade nessa consideração, relacionada ao coro público de desdém, nada simpático, que acompanhou de perto as repetidas infrações de Gordon ao longo dos anos. Essa situação não é só a de mais um cara tentando voltar para o campo de futebol, mas sim um cara jovem tentando retomar os pedaços da sua vida.

(Foto: GQ)
GQ: Como seus sentimentos sobre a recuperação de agora diferem de onde estavam quando você saiu da reabilitação das outras vezes?

Josh Gordon: Eu pensei, se eu tenho planos de ter qualquer tipo de carreira, eu vou parar. Mas aí eu pensei, se eu quiser qualquer tipo de vida, se eu quiser viver [eu vou parar]. Foi tipo: você nunca vai voltar para a porra do seu trabalho se você não conseguir entender como se vive. Porque nesse ponto, nessa trajetória, você vai morrer. Você vai se matar.

Em que ponto você ficou confortável ao dizer “eu sou um dependente”? Eu sinto que antigamente você não se considerava isso.

Por causa estigma que estava envolvido nisso. E eu estava muito além do estigma. Tendo a capacidade de ver como muitos alcoólatras e dependentes funcionais estavam lá. Na instalação que eu estava tinham médicos mundialmente renomados, advogados, engenheiros. Então eu fiquei pensando, eu definitivamente posso levantar minhas mãos e fazer qualquer coisa que eu quiser, e percorrer qualquer caminho. Eu preciso me comprometer completamente com o programa.

Eu preciso saber o que eu sou, eu preciso saber quem eu sou. Se eu ainda estou em cima da cerca, se eu ainda estou na beira do abismo, esse é um lugar perigoso. E para mim, eu tive muitas provas disso. Você pode definir isso como quiser, mas, para mim, o jeito mais fácil de fazer isso é aceitar o que você já tem. São dependentes e alcoólatras. Está em uma escala de moderado a grave. Mas será que eu estou no espectro? Com certeza.

Voltando a quando você estava na NFL, você descreveria aquela pessoa como um “alcoólatra funcional”?

Altamente funcional. Com certeza. Eu definitivamente forçava a barra. Eu não sei como conseguia. Podia ser antes dos jogos, antes do treino, após o treino. Você vê outros caras meio que fazendo o mesmo, mas eu conseguia levar para outro nível muitas vezes. Como sentia que eu estava tendo permissão, eu pensei que fosse algo normal de se fazer: Bom, essa é a norma. E não era. Definitivamente não era.

“Eu bebia provavelmente metade de um copo, ou tomava alguns shots, para tentar aquecer meu sistema, basicamente. Para fazer com que o motor pegasse. Era isso que eu fazia para os jogos.”

Você consegue pensar em um exemplo?

Eu fazia um ritual antes de todos os jogos. Se eu já tivesse feito o teste de drogas naquela semana, ou um dia antes do jogo, eu sabia que eu tinha alguns dias para limpar o meu sistema. Até mesmo antes de eu ser testado para álcool, antes da DWI (quando se é pego bebendo e dirigindo) em 2014, eu fumava o maior tempo que conseguisse no bong. E tentava esconder todo o cheiro das minhas roupas. Eu já estava vestido para ir para o jogo. Vários caras fumam maconha antes do jogo. Mas não estamos falando sobre eles.

Eu tinha alguns shots já feitos. Eu amava Grand Marnier (uma marca de licor). Descia macio. Normalmente eu conseguia beber muito dele. Mas se não fosse isso, podia ser um uísque ou algo assim. E eu bebia provavelmente metade de um copo, ou tomava alguns shots, para tentar aquecer meu sistema, basicamente. Para fazer com que o motor pegasse. Era isso que eu fazia para os jogos.

Então se você é testado, existe uma janela de tempo em que você não é testado novamente?

Não, é aleatório. Mas é o que seu cérebro faz. Você acha que entendeu o processo. Você acha que combateu o sistema. Você acha que sabe algo que eles não sabem. Me provaram que eu estava errado todas as vezes. Eu tentei tudo para escapar deles. Antes de eu me internar para o tratamento, só de ver até onde eu estava disposto a ir para me arriscar, tendo vivido aquele cenário, e o efeito negativo que sempre ocorreu, foi tipo: Tudo bem. De novo não. Eu não posso fazer isso de novo. Esse era o ponto em que eu estava. Eu estava tipo: Se eu fizer isso de novo, eu jogo tudo fora. Se eu não fizer isso de novo, eu tenho uma chance, eu me dou um pouco de oportunidade. Foi isso que tornou muito mais fácil naquele momento.

Como você fazia isso nos dias de jogo?

Nós ficávamos no hotel do time e, então, os jogadores tinham permissão para voltar para casa, pegar o que eles precisavam e então ir para o jogo. Então eu saía do hotel de manhã cedo, ia para casa, tomava café da manhã e, então, ia para o jogo. Aí eu definitivamente ia festejar depois de todos os jogos, ganhando ou perdendo. Todos os jogos.

Você fez isso em 2013 – durante os jogos seguidos com 200 jardas, por exemplo?

Sim.

Em quantos jogos você estima que tinha algo no seu sistema?

Todos os jogos. Provavelmente todos os jogos da minha carreira.

Incluindo na faculdade?

Definitivamente na faculdade.

“Eu não tinha planos de estar vivo aos 18. No dia a dia, o que vai acontecer em seguida? Então você se automedica com Xanax, com maconha, codeína – para ajudar a acalmar esses nervos, para que você possa funcionar todo dia.”

As pessoas sabiam?

Quando eu cheguei na liga, eu acho que eles tinham suas dúvidas desde o começo. Desde o dia em que fui escolhido, tenho certeza que eles sabiam que havia algum tipo de risco envolvido. Não acho que eles sabiam especificamente. Mas eu tenho certeza que eles tinham suas dúvidas. Eu faltava em muitas reuniões, aparecia atrasado muitas vezes, meus olhos provavelmente estavam muito vermelhos em diversas ocasiões. Mas eu acho que eles não conseguiam realmente traçar uma conclusão definitiva, porque eu achava que era evasivo o suficiente. E porque ninguém me falou nada. Mas eu tenho bastante certeza que alguém pensou algo. Definitivamente na faculdade, absolutamente, eles sabiam. Existe uma boa chance. Mais do que provável.

(Foto: GQ)
Por que você acha que usava [drogas]?

Inicialmente começou para mim por causa do medo baseado em muitos traumas quando era criança e adolescente. Eu usava na minha infância. Aquele ambiente me levou a isso muito antes do que uma criança normal – seja lá o que normal for – deveria ser levada, para ter capacidade de tomar uma decisão por si próprio sobre o que fazer. Eu não queria sentir ansiedade, eu não queria sentir medo. Eu não tinha planos de estar vivo aos 18. No dia a dia, o que vai acontecer em seguida? Então você se automedica com Xanax, com maconha, codeína – para ajudar a acalmar esses nervos, para que você possa funcionar todo dia. Isso se tornou uma norma desde o fundamental até o ensino médio. Então quando eu cheguei nos meus 20 anos, eu já estava em um ritmo acelerado.

Você se lembra da primeira vez que você usou?

Foi no fundamental, na sétima série. Eu estava nas rampas de entrega, na lateral da minha escola com alguns amigos. Me deram um pouco de Xanax, estávamos fumando maconha e tal. Naquela aula, eu acabei – não desmaiando, mas realmente cochilando por causa do Xanax. Eu só devia ter tomado metade do comprimido, mas eu tomei tudo e estava babando sobre a mesa. As crianças começaram a rir na aula. As costas do professor se viraram e eu meio que levantei a mão e pedi para ir ao banheiro muito rápido. Essa foi a minha primeira experiência em uma onda. Na sétima série. E foi nesse nível. Então estava definitivamente fora de controle.

Para falar a verdade, foi ali que realmente começou para mim. A ansiedade, o lance de se encaixar. Não estar confortável com quem eu era. Socialmente, me sentia estranho, falando com as pessoas, dizendo para elas onde eu estava vivendo. Outras crianças têm coisas melhores que você, “você é pobre”, esse tipo de coisa. Muito sentimento de inadequação, eu acho, foi o motivo pelo qual eu inicialmente entrei nisso.

Teve algum momento em particular que te fez “acordar pra vida”?

Na primavera e no verão de 2016. Eu estive em um acidente de carro, dei perda total no carro, ele ficou parecendo um embrulho numa cabine telefônica. A gente estava correndo. Eu e outro passageiro, ambos muito chapados, pensando que aquilo era divertido. Cortando carros pelas ruas. Colocando outras pessoas em perigo. E, então, finalmente, é tipo: como que eu saí disso sem um arranhão? Porque o carro estava acabado.

O quão difícil é para você sentar aqui e falar sobre essas coisas?

É bem benéfico para mim nesse momento. Quanto mais eu coloco para fora, mais eu me sinto melhor sobre isso. Quanto mais as outras pessoas sabem, mas eu me sinto confortável ao andar nas ruas, sem esse alvo nas minhas costas. Sem ter que ficar preocupado olhando para os lados. É terapêutico para mim.

Quanto das especulações e das críticas chegou até você?

Muito. Todos os dias. Foi por isso que eu me mudei de Cleveland. Fui especificamente para Gainesville porque achei que lá não ia ter ninguém que fosse saber quem eu era. Viver em Cleveland era muitas vezes um pesadelo. Eu fui assediado, as pessoas jogavam bebidas em mim. Eu era seguido nas mercearias, era provocado em todos os lugares. Meus irmãos entravam em brigas. Já pularam no carro. Alguém amassou o capô do carro. Eu tive que processar um cara e conseguir o dinheiro de volta porque ele danificou o carro. As pessoas estavam sempre jogando dinheiro, moedas, para quebrar as janelas. Então Cleveland era pesado, cara.

“Deem uma chance. Sejam pacientes. Permitam que a pessoa enxergue além daquilo. Se a pessoa te decepcionar, é isso. Mas saiba que tem um ser humano ali. Ele está lidando com algo.”

E esses eram fãs do Cleveland?

Esses eram fãs do Cleveland. Essa experiência me seguia em qualquer lugar que eu fosse. Então eu sempre pensava: Quem me reconhece? Tipo, Josh, ninguém sabe quem você é. Você joga pelos Browns. Ainda assim isso é difícil de lidar. Mas quanto mais eu faço coisas assim e faço com que as pessoas saibam exatamente o que eu estou passando, mais eu espero que as pessoas possam deixar as crianças em paz.

Se você pudesse fazer com que essas pessoas entendessem uma coisa sobre você, o que você diria?

O futebol americano não é quem eu sou. É o que eu faço. E, para mim, tudo o que você pode ver ou ler, é tudo através de uma lente, é uma percepção. Infelizmente, viver em um mundo em que você está no olho do público, a percepção é a realidade deles. Mas, para mim, a minha realidade é completamente diferente. É agora ser um pai para uma menina de dois anos. É ser um bom amigo, um companheiro de equipe, um filho, um irmão.

As coisas normais são as que eu estou priorizando agora. O restante é meio que totalmente suplementar. É mesmo para o entretenimento. É tipo, Wanna Keep Up With Josh (brincadeira com Keeping Up With the Kardashians, um reality show mostrando a vida das Kardashians), como se fosse um show de TV. O que acontece lá fora, acontece lá fora. Mas percepção e realidade não são as mesmas coisas. Não do meu lado do jogo, pelo menos.

Tudo é um processo imediato de gratificação. Especialmente para os fãs. Se você não produz, você está despedido, acabado. É muito difícil tentar aceitar isso e, então, adicionar a humanidade. Eu entrei na NFL com 20 anos. Não conseguia imaginar muitas pessoas fazendo esse tipo de coisa com sucesso. Deem uma chance. Sejam pacientes. Permitam que a pessoa enxergue além daquilo. Se a pessoa te decepcionar, é isso. Mas saiba que tem um ser humano ali. Ele está lidando com algo.

(Foto: GQ)
Para as pessoas que dizem que nós já estivemos nessa situação antes, você saiu da reabilitação e disse que não desperdiçaria essa chance. Por que deveremos esperar que seja diferente dessa vez?

Nas últimas vezes, todas as vezes que eu tentava parar, era por um motivo errado. Era por causa da publicidade; por outra pessoa; pelo técnico ou por qualquer um que achasse que seria melhor para mim fazer aquilo. Da última vez, eu queria fazer para salvar minha carreira. Apenas pelo emprego. Agora eu tenho o reforço e a motivação positiva de ter uma filha e tal, mas crianças não conseguem te salvar nesse aspecto. A única coisa que está me salvando nesse momento, e a diferença entre antes e agora, é que eu estou fazendo isso por mim. E eu quero algo a mais para mim. Eu estou tentando fazer isso por mim mesmo. Nesse momento, de verdade, eu não poderia ligar menos para o que todas as outras pessoas estão fazendo.

Quando você estava na reabilitação, se você estivesse pensando para frente sobre como você queria que sua vida fosse na recuperação ou o que você achava que uma vida feliz seria, como isso soou para você?

Para mim, visualizei minha mãe, meus dois irmãos e eu e minha filha, vivendo como se fosse em uma casa imaginária, mas todos sob o mesmo teto. Isso é algo que nós não fazemos há muito tempo. Parece muito simples – o conceito pode ser simplificado demais. Eu só queria ter uma relação saudável com a minha família. E foi isso que realmente trouxe a vontade inicial de querer chegar lá.

Eu queria estar presente para a minha mãe. Eu queria estar presente para mim mesmo. E eu queria estar presente para os meus irmãos. E minha filha. Mais do que tudo. Eu não queria perpetuar o ciclo de ser o pai ausente. Porque eu sei como é isso. Não foi a carreira, não foi o dinheiro, não foi a casa, não foram os carros, foi estar presente para as pessoas que realmente mais importam.

Essa entrevista foi editada e condensada.

Entrevista original: GQ.com

Tradução e adaptação: Eliza Molina

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