Qualquer time com gestĂŁo sĂ©ria, coerente e justa demitiria o head coach em caso de um histĂłrico nada honroso, de apenas uma vitĂłria e vinte e oito derrotas em dois anos, pior Ăndice desde a marca de dois triunfos em vinte e oito jogos do Tampa Bay Buccaneers entre 1976 e 1977, os dois primeiros da franquia na liga.
PorĂ©m, quando se trata de Cleveland Browns, a regra Ă© uma sĂł: nĂŁo existem regras! Por isso mesmo, ao invĂ©s de Hue Jackson, tĂ©cnico, coordenador ofensivo e forjador de desculpas nas horas vagas, ser o indicado para ser ceifado, Jimmy Haslam preferiu mandar para a rua o vice presidente executivo de futebol, Sashi Brown, que, com Paul DePodesta, arquitetou um possĂvel Moneyball na NFL.
A justificativa dada por Haslam Ă© a de que âos resultados nĂŁo agradavam e que era necessĂĄria uma mudança firme rumo ao sucesso desejadoâ. No lugar de Brown, foi contratado John Dorsey, ex-general manager do Kansas City Chiefs, que ajudou a montar o time que alcançou os playoffs pela terceira temporada consecutiva.  Para entender melhor a situação toda, vamos analisar os trĂȘs lados dessa histĂłria, tanto de Hue Jackson, quanto de Sashi Brown e Jimmy Haslam.
Sashi Brown
Formado em direito por Harvard, Sashi Brown tem no currĂculo uma experiĂȘncia prĂ©via no futebol americano com o Jacksonville Jaguars, como advogado-chefe da equipe e membro do corpo de diretores que estiveram envolvidos na negociação do naming rights do atual EverBank Field. Ocupou a função entre 2005 e 2012, mudando-se posteriormente para Cleveland, onde desempenhou o papel de advogado-chefe atĂ© janeiro de 2016, quando foi promovido para vice-presidente executivo.
Para alguns, esse currĂculo pode ser pouco significativo, ainda mais levando em conta que isso nĂŁo Ă© um resumo, e sim a descrição da carreira toda de Brown com a bola oval, jĂĄ que ele, a princĂpio, nĂŁo Ă© uma pessoa da “velha escola do futebol”, e sim alguĂ©m com uma tendĂȘncia aos novos princĂpios da liga.
Um exemplo disso é o corpo diretivo dos Browns na época que foi alçado ao posto que ocupou. Ele trabalhou diretamente com Paul DePodesta, chefe do departamento de estratégia, que nunca trabalhou com futebol americano até então, tendo como credencial a participação no que veio a ser conhecido como Moneyball, ou seja, a valorização da anålise profunda de dados para a escolha de prospectos, movimentação financeira, entre outras tarefas gerenciais estratégicas.

A partir desse trabalho em conjunto, Sashi adotou a tĂĄtica de Paul no draft de 2016 como norteadora, e fez uso das 14 escolhas, algumas obtidas atravĂ©s de trocas antes e durante o relĂłgio, que deram munição para montar um time jovem, com a maioria dos jogadores vindos do college depois de carreiras respeitĂĄveis, como no caso do wide receiver Corey Coleman, que ganhou o Fred Biletnikoff Award em 2015, prĂȘmio oferecido ao melhor recebedor universitĂĄrio, ou o defensive end Carl Nassib, que, em 2015, conquistou nada menos que seis prĂȘmios individuais, entre eles o de Defensor do Ano da Big Ten, honraria que jĂĄ foi oferecida a jogadores que tiveram desempenho consistente na NFL, como LaVar Arrington ou fizeram o nome somente pelo college, como o caso de Pat Fitzgerald.
O plano geral parecia ser bom, consistente e bem alinhado entre todas as partes (front office, técnicos e dono do time). Veio a pré-temporada, veio a temporada regular e, as vitórias, que pareciam vir conforme o passar do tempo, demoraram para chegar. A demora gerou pontos de discordùncia que ficaram mais evidentes a cada semana, com o técnico expondo a falta de mais veteranos no elenco, dando a entender que ele não tinha responsabilidade no roster oferecido.
As Ășltimas quatro partidas foram dramĂĄticas, com a torcida clamando por uma vitĂłria, que veio quase no zerar do cronĂŽmetro, contra o entĂŁo San Diego Chargers em casa, graças ao erro do field goal de Josh Lambo, que a torcida comemora atĂ© hoje como um presente de Natal. Esse jogo serviu como a salvação do vexame que poderia ter colocado os Browns ao lado dos Lions de 2008. NĂŁo foi dessa vez, pelo menos ainda.
2017 veio e a imprensa, que durante toda a campanha anterior fazia burburinhos sobre a falta da presença de “homens do futebol” na gestĂŁo do time, jĂĄ que Brown e DePodesta nĂŁo possuĂam um portfĂłlio na ĂĄrea (publicitĂĄrios me entenderĂŁo mais fĂĄcil nessa), fizeram cada mexida ser motivo de alarde em todos os canais possĂveis, das mais variadas formas. Isso se acentuou apĂłs o draft, no qual o time manteve a filosofia de valorizar jogadores bem gabaritados e adquirir escolhas nos momentos certos, o que fez Cleveland, por exemplo, saiu da 12ÂȘ posição para a 25ÂȘ na primeira rodada, para poder escolher o safety Jabrill Peppers, mesmo com um possĂvel salvador da franquia ainda disponĂvel, no caso o quarterback Deshaun Watson.

No lugar de Watson, os Browns ficaram com Deshone Kizer, vindo da segunda rodada. ApĂłs o draft, tudo parecia se acalmar mas, um problema chamado Brock Osweiler assombrou o time. Durante os jogos de prĂ©-temporada, ele, que foi adquirido junto ao Houston Texans com uma escolha de sexta rodada de 2017, uma de segunda rodada de 2018 em troca de uma escolha compensatĂłria da quarta rodada daquele ano, nĂŁo parecia ser a solução dos problemas com signal callers, dando força aos rumores de que seria cortado em pouco tempo, o que aconteceu quase seis meses depois, o que ocasionou, para alguns, um prejuĂzo de US$ 15.2 milhĂ”es, jĂĄ que a equipe teve que pagar quase todo o salĂĄrio anual de Brock (os outros US$ 775 mil ficaram por conta do Denver Broncos, que assinou com ele logo apĂłs a dispensa).
A temporada foi passando de maneira pior que o esperado, apesar dos resultados semelhantes aos de 2016. Vez ou outra Hue Jackson se queixava e a diretoria nĂŁo se manifestava. O estopim veio apĂłs a derrota contra o Minnesota Vikings em Londres. No dia 31 de outubro, dia do fechamento da janela de trocas de jogadores, o head coach dos Browns manifestou desejo em contar com AJ McCarron, QB reserva do Cincinnati Bengals que Hue conhecia da Ășltima experiĂȘncia como tĂ©cnico. Sashi aparentemente mandou a proposta (uma escolha de segunda e outra de terceira rodada do draft de 2018) para o rival, que aceitou e mandou a documentação para a liga em tempo. No entanto, a diretoria de Cleveland nĂŁo enviou os dados que deveriam, acreditando que “era dever dos Bengals entregar todos os itens referentes ao processo de troca”.
Essa “falha” Ă© considerada por muitos torcedores e atĂ© alguns insiders como proposital, pois a gerĂȘncia (leia-se Sashi Brown) nĂŁo via com bons olhos perder duas escolhas por um jogador que, atĂ© o momento, nĂŁo se provou na liga, sem considerar que uma proposta semelhante foi oferecida por Jimmy Garoppolo, prospecto melhor que McCarron, e prontamente recusada pelo New England Patriots, que, em notĂcia recente publicada na ESPN dos Estados Unidos, negou a operação de propĂłsito pois, nem o jogador e nem a equipe via com bons olhos a troca.
Isso expĂŽs uma guerra fria entre Brown e Jackson, de modo que, enquanto o tĂ©cnico disse nĂŁo querer saber de projeto pois “sĂł podia responder sobre o que lhe era cabĂvel, ou seja, treinar”, o entĂŁo general manager de facto admitiu estar trabalhando no que fosse possĂvel para melhorar o time e que nunca sabotaria uma troca que tivesse o propĂłsito de melhorar a equipe, o que nĂŁo se pode provar como verdade ou nĂŁo.
ApĂłs a dĂ©cima terceira derrota consecutiva dos Browns em 2017, Sashi foi demitido do time e, nĂŁo se sabe ao certo se ele tinha noção de que John Dorsey era o substituto, pois Dorsey foi entrevistado enquanto Brown ainda tinha vĂnculo com a equipe e, no mesmo dia em que foi demitido, John assumiu o cargo no time.
O certo é que, apesar de ousada, a estratégia adotada por Sashi não é nova, apenas teve mais holofotes por ser os Browns a testar a tåtica e, ao que tudo indica, a base de um time eståvel, com talento dos dois lados da bola e, principalmente, que possa ser permanente por vårios anos, foi feita, além de deixar também como herança um salary cap que ultrapassa a barreira dos U$$ 100 milhÔes, o que då maior margem para apostar na free agency e negociar o contrato de alguns jogadores importantes para o futuro, como o linebacker Joe Schobert, que jogou todas as partidas da temporada 2017 e conseguiu alcançar a marca de 144 tackles, empatado na primeira colocação com Preston Brown e Blake Martinez.
Talvez os erros que ceifaram o futuro de Sashi Brown no time foram, primeiramente, acreditar demais na paciĂȘncia de Jimmy Haslam em esperar “O Quarterback do Futuro”, jĂĄ que, nos dois primeiros drafts, os escolhidos nĂŁo supriram as necessidades e, os que nĂŁo foram selecionados tĂȘm sucesso considerĂĄvel em suas franquias. Carson Wentz, Mitchell Trubisky e Deshaun Watson sĂŁo alguns dos nomes que foram recusados para que viessem mais escolhas. A estratĂ©gia de montar o exĂ©rcito recrutando os soldados primeiro e trazer o capitĂŁo depois se vendeu por um tempo, mas o marechal se irritou e mandou o coronel para a rua.
Outra falha de Brown foi a de se submeter a um regime no qual ele e Hue tinham o mesmo prestĂgio em teoria, mas que, na prĂĄtica, deu brechas de ser falho na primeira temporada e ficou escancarado como ruim na segunda. Quantas vezes em um ano vocĂȘ lembra do GM do seu time dar entrevistas para justificar o mau desempenho? E quantas vezes vocĂȘ vĂȘ o tĂ©cnico se esquivando quando se trata de perguntas sobre o planejamento a longo prazo, usando pessoas ao redor, inclusive jornalistas, para espalhar a insatisfação que nĂŁo podia expor nas entrevistas coletivas? A partir do momento em que o dono, que nĂŁo entende de futebol e comanda uma das franquias mais histĂłricas da liga, dĂĄ mais confiança ao tĂ©cnico, algo estĂĄ errado.