Uau. Só, uau. 2022 foi incrível, coisas que jamais serão vistas de novo aconteceram. Aaron Judge e Shohei Ohtani, tal qual dois samurais duelam no maior embate que esse esporte jamais viu e jamais verá igual. As duas melhores temporadas da história, ao mesmo tempo, concorrendo ao mesmo prêmio. Uau. Eu vou explicar mais.
Mais valioso
O prêmio de MVP é dado de acordo não só à habilidade, mas de acordo com a narrativa, um prêmio que escolhe o jogador com mais impacto para um time durante a temporada – do ponto de vista positivo, é claro. O problema é que tanto Ohtani quanto Judge tiveram temporadas estelares, temporadas que devem virar um quadro e serem emolduradas na porta do Hall da Fama do beisebol. São tão boas que é injusto escolher uma, quase uma escolha de minerva, não existe uma favorita, são igualmente impressionantes e lendárias, mas 2022 nos reservou ter de escolher entre um e outro…
Falando sobre Ohtani, ele já havia ganhado o MVP em 2021 de maneira unânime, após ter uma temporada de 46 HR, .965 OPS, 3.18 ERA e 1.09 WHIP. Isso basicamente quebra toda a ideia de WAR (wins above replacement), pois Ohtani fica responsável por 2 spots, ou seja, ele deveria ganhar pontos x2, coisa que não acontecia na liga desde Babe Ruth nos seus primeiros anos de New York Yankees.
O “problema” é que ele, depois de ter tido a melhor temporada da história moderna do beisebol, foi lá E FEZ DE NOVO, e MELHOR! Nesse ano de 2022, Ohtani melhorou ainda mais os seus números como arremessador, o que é dificílimo na MLB, passando de um arremessador mediano bom para um arremessador de elite. As stats são surreais: 34 HR, .875 OPS, 2.33 ERA em 28 jogos iniciados (6 a mais que no ano anterior), 1.01 WHIP, 12 K9 (maior da liga) e 3 corridas cedidas a menos que no ano anterior. Nesse ano, ele focou muito mais em ser um arremessador, e como todos sabem ou deveriam saber, um arremessador inicial é a posição mais difícil dos esportes americanos, manter um alto nível assim, jogando contra os melhores rebatedores do mundo, é algo quase impossível, nem todos os 30 times da liga podem estufar o peito e falar que tem um arremessador assim, de elite. O grande X da questão é que, além de uma performance altíssima no arremesso, ELE TAMBÉM REBATE! Nessa temporada, ele bateu mais home runs que Vlad Guerrero Jr., Jose Ramirez e Manny Machado, teve o 5° maior xwOBA da liga; arremessando ele teve o 3° menor FIP da liga e um BAbip menor que o de Aaron Nola, Logan Webb e Carlos Rondon. Isso não é humano, ele é um ser do além, um personagem épico retirado de um livro de Gabriel Garcia Marquez, um unicórnio, o único jogador dessa liga que pode fazer de Mike Trout a sua sombra, um MVP.
Mas alto lá, se ele fez tudo isso e não ganhou o prêmio, então o vencedor foi um alienígena. Na verdade sim, um alienígena com o número 99 nas costas e vindo do campo direito curto do Bronx.
Todos de pé
Uma das coisas mais bonitas que eu já vi é a página do Aaron Judge no baseball-savant, em todas as estatísticas ele está no 1%, todas as reguinhas no vermelho, uma coisa linda.
Assim, sendo bem franco, o que ele fez quebrou o statcast do beisebol, ele colocou a régua da performance ofensiva num patamar inalcançável para qualquer jogador na história, tanto nas estatísticas “simples” quanto nas “avançadas”.
Para além dos 62 home runs dele na temporada regular (recorde não-dopado do beisebol e recorde histórico da liga americana), ele teve 61.8% de hard hits (no qual a bola sai do bastão à 95+ mph), .425 OBP, 1.111 OPS, 211 OPS+, 207 wRC+, .458 wOBA, .463 xwOBA, .611 xwOBACON, 111 walks, vamos colocar cada um desses números nas suas respectivas perspectivas.
Joey Gallo, outfielder atualmente sem contrato, é bem conhecido por ser um rebatedor de muita potência, sabe quanto ele teve de hard hit% no seu melhor ano na estatística? 52.2%. Judge teve quase 10% a mais, e fazendo isso como se fosse nada. O OBP (porcentagem de chegada em base) foi também impressionante, .425, o maior da liga disparado. Pensando nos últimos 10 anos de liga, essa seria a 21ª melhor temporada, mas com o detalhe que os nomes da frente são jogadores de contato: Juan Soto, Freddie Freeman, Mike Trout e Joey Votto, já judge é um rebatedor de potência, ele chegar .400 em base é uma anomalia da natureza, pois significa que ele além de acertar tudo, ele acertava com força, como a gente viu antes. 211 OPS+ significa que ele foi 111% melhor que um jogador “médio” da liga, ou seja, juntava a produção de dois jogadores normais em um só, isso foi Aaron Judge. Quanto as stats que começam com um W ou X, esquece, ele também foi o melhor em todas, em wOBA (um OBP melhorado, porque mede como o jogador chegou em base, não só se ele chegou lá) ele liderou a liga por .030. A distância do wOBA entre ele e o segundo colocado é maior que a do 4º pro 14º.
Resumindo tudo, Aaron Judge jogou a liga no modo fácil, ele teve a temporada mais prolífica não-aditivada da história recente da liga e uma temporada top 10 da história, em um esporte com quase 150 anos de liga profissional, acontece uma assim a cada 30 anos e não é exagero falar que essa foi a melhor que você vai ver na sua vida!
A questão da narrativa
Como dito antes, as temporadas são bastante equivalentes em números gerais, cada um com seu charme e dificuldade, mas para quem vai o prêmio? Aí entra a questão da narrativa. Aaron Judge colocou o Yankees debaixo do braço e conduziu o time para uma campanha de 99 vitórias, e lembremos, o Yankees é de longe a franquia com maior pressão nos esportes americanos. Além disso, a campanha final da quebra do recorde de home runs ficou gravada na mente de todos, assim, era indiscutível o prêmio ser dele.
Mas isso não anula de modo algum a narrativa do Ohtani. Em um Angels que não ia pra lugar nenhum, ele ganhava os jogos para o time, lembremos do jogo que ele teve 8 RBIs e perdeu, e no dia seguinte fez um quality start de 14 Ks e perdeu também. Ohtani foi o Angels durante toda a temporada, um exército de um homem só.
Vamos fazer um exercício de imaginação. Tire o Ohtani do Angels, o time vira top 5 do draft num piscar de olhos, brigando com o Oakland A’s pelo 5º lugar da divisão. Disso ninguém discorda, certo? “Ah, mas Mike Trout…” Trout machucado meio ano é lei, meio ano de Trout é nada se o time é o Angels. Agora tire Aaron Judge do Yankees, o Yankees ainda iria para a pós-temporada, em segundo na divisão mas iria sem muitas dificuldades.
Entenderam meu ponto? O impacto do Ohtani para o Angels é maior que o do Judge para o Yankees, ou pelo menos equivalente. Assim, a única conclusão lógica que se pode chegar diante disso tudo é:
não existe uma resposta certa, qualquer um dos dois poderia ganhar esse prêmio em qualquer ano da história. Minha opinião: Shohei Ohtani, por muito pouco.