Na casa dos Millerâs em Omaha, Nebraska, 15 bolas de futebol sĂŁo exibidas em displays.
HĂĄ uma para cada touchdown que Zach Miller conquistou em sua carreira de nove anos na NFL.
Cada bola tem uma de suas faces pintada de branco que detalha cada recepção com o adversĂĄrio e a data do jogo. Ao meio, em letras finas, lemos “Touchdown Catch”.
Eles costumavam ficar em cima do centro de entretenimento da famĂlia na sala de estar mas desde que os Millers com a nascimento do terceiro filho, em junho do ano passado, a sala de estar foi convertida em berçårio e as bolas forçadas a se mudar.
HĂĄ apenas um problema, de acordo com Zach Miller. Uma bola estĂĄ faltando.
Conferindo todas as estatĂsticas ou vasculhando os registros dos jogos, veremos que, em nove anos na NFL, o tight end Zach Miller registrou 15 recepçÔes para touchdown, quatro durante suas trĂȘs temporadas com os Jaguars e 11 desde que chegou aos Bears.
Zach Miller tem um nĂșmero diferente. Ele adiciona uma bola a essa coleção.
Trata-se da bola com a qual ele caiu no canto direito da end zone em 29 de outubro de 2017, em uma partida contra o Saints, na semana 8 em New Orleans.
Uma rota para o canto da endzone, numa terceira para dez, passou do touchdown para passe incompleto e virou um desastre num intervalo de minutos.
Ă a bola que conduziu ao som das sirenes a caminho do Centro de Trauma NĂvel 1 mais prĂłximo. A bola que transformou a possibilidade de Miller perder a perna esquerda em uma realidade em potencial. A bola que provocou nove cirurgias nos meses seguintes.
VocĂȘ nĂŁo encontrarĂĄ aquela recepção de touchdown listada em nenhuma estatĂstica oficial. ApĂłs revisĂŁo, os ĂĄrbitros reverteram a chamada, alegando que Zach Miller perdeu o controle da bola.
Mas Miller sabe melhor que isso. Ele lembra da jogada. Para ele, sempre contarĂĄ.
Ele sabe que ele segurou.
https://youtu.be/BqrVU2qs-DM
Algo nĂŁo estava certo
Para Zach Miller, aquele outono de um ano atrås, era só o começo.
“No momento que entrei no [Mercedes-Benz Super]Dome, algo nĂŁo parecia certo”, conta Zach, lembrando as horas que antecederam o pontapĂ© inicial. “E isso continuou durante todo o jogo. Ă difĂcil de explicar.”
Foi um pressentimento, um sinal do que estava por vir.
Os Bears perdiam dos Saints por 14 a 3 depois de dois quartos. Depois de um three-&-out no começo o segundo tempo, os Bears evoluĂram pelo campo no drive sequinte.
Em uma terceira para dez na linha de 25 jardas do campo de ataque, Zach Miller se posicionou no lado esquerdo e correu para a direita num movimento de scrimmage. m shotgun, o quarterback Mitchell Trubisky recebeu a bola e recuou. Ele viu Miller no lado direito e lançou em profundidade na direção da endzone. O tight end subiu acima da cobertura de Rafael Bush, do Saints, e desceu com a bola.
“Eu me lembro de tudo”, conta. “Eu sabia desde posicionamento na linha de scrimmage e da forma como a defesa se alinhou, que Ăamos ter um touchdown e eu estava pronto para entrar em posição e marcar.”
Quando atingiu o chĂŁo, ele imediatamente segurou a perna esquerda.
Ele ainda se lembra da dor.
“Era algo entre uma queimadura e uma dor muito aguda”, diz ele. “Mas uma coisa eu sabia: eu tinha que segurar a bola o mĂĄximo que pudesse.”
O jogador acabou por soltar a bola e o corpo técnico dos Bears correu para o gramado. Eles o levaram para o vestiårio e começaram a examinar sua perna esquerda.
“Eu nĂŁo fazia ideia da gravidade”, disse Miller. “Eu nĂŁo sabia que eu tinha deslocado o joelho. Eu nĂŁo sabia que isso iria tĂŁo longe. Aquele Ăąngulo [da torção], a gravidade da lesĂŁo, todo o horror.”
Em Chicago, a esposa do jogador, Kristen Miller, assistia ao jogo com amigos.
De inĂcio, como todos os presentes, ela comemorou o que ela achava que era um touchdown.
“EntĂŁo, de repente, eu vejo ele que nĂŁo se levanta e foi quando eu fiquei tipo ânĂŁo!!!'”, disse Kristen. “Eu agarrei meu telefone e o Zach me ligou em menos de 10 minutos.”
Ela perguntou se ele podia sentir o pé e ele disse que podia. Eles desligaram e foi quando toda a situação mudou.
Zach Miller começou a perder a sensação no pé e a perna ganhou um tom de azul.
“Vinte minutos depois eu liguei de volta e houve um pouco mais de pĂąnico em sua voz”, disse Kristen. “Eu sentia que algo nĂŁo estava bem.”
A equipe médica do Bears o acomodou em uma ambulùncia e se preparou para dirigir-se a um hospital local.
Os procedimentos-padrĂŁo operacionais para lesĂ”es no estĂĄdio determinavam que os jogadores fossem conduzidos a um hospital a mais de 20 minutos de distĂąncia. No entanto, o ex-treinador de atletismo dos Bears, Sid Dreyer, sabia que Miller precisava de atenção imediata e exigiu uma ação mais especĂfica. Eles iriam entĂŁo para um Centro de Trauma NĂvel 1 a cerca de cinco minutos do estĂĄdio. Uma decisĂŁo imediata que pode ter salvado a perna de Miller.
No hospital, os mĂ©dicos diagnosticaram que Miller havia deslocado o joelho esquerdo e rompido a artĂ©ria poplĂtea, o que cortou a maior parte do fornecimento de sangue abaixo do joelho. Normalmente, nesse cenĂĄrio, se a circulação sanguĂnea nĂŁo for restaurada imediatamente (em questĂŁo de horas), isso leva Ă amputação.
A equipe médica então preparou o jogador para a cirurgia.
“A Ășltima coisa que eu disse foi apenas: ‘Doutor, nĂŁo corte minha perna'”, disse.
Miller acordou no hospital depois de sete horas de cirurgia. Um pouco grogue e com a parte inferior do corpo coberta com um lençol, ele não tinha ideia se os médicos conseguiram salvar a perna.
“Demorei uns 20, 30 segundos para finalmente dizer ‘OK, vocĂȘ tem que olhar'”, contou. “Meu medo era: eu tenho checar debaixo deste lençol se minha perna estĂĄ aqui ou nĂŁo.”
“Levantei o lençol, espiei pelo lado e percebi que eu tinha essas barras de metal para fora, e minha reação inicial foi apenas: ‘O que diabos Ă© isso?'”
Durante a cirurgia, os médicos receberam uma autorização remota de Kristen para inserir um fixador externo e duas hastes de metal para ajudar a estabilizar a perna.
A primeira cirurgia foi um sucesso em todos os sentidos. Ele fez mais duas cirurgias em Nova Orleans e, em 6 de novembro, foi transferido de helicĂłptero para Chicago, onde se internou no North Shore Hospital.
No total, ele se submeteu a nove cirurgias. Duas semanas depois de chegar a Chicago, Zach Miller voltou para casa em uma maca. No dia 8 de dezembro, seis semanas depois da lesĂŁo, voltou ao hospital e retirou as duas hastes de apoio. Nove dias depois, ele andou pela primeira vez sozinho novamente.
âą Last One âą pic.twitter.com/SCcODwc5p7
— Zach Miller (@ZMiller86) January 12, 2018
Nunca bancou o vitimista
Zach Miller ficou de cama basicamente por seis semanas e, depois disso, sua mobilidade foi limitada. Sem futebol e sem lugar para ir, Miller nĂŁo se abateu. Em vez disso, encontrou novas maneiras de se manter ocupado.
“Ele nunca ficou se perguntando ‘Por que isso aconteceu comigo'”, disse Kristen. Sempre lidou com essa lesĂŁo um dia por vez”.
Ele tocou piano, apenas para desafiar a si mesmo, e jogou mais rodadas de FIFA no Xbox do que se lembra.
“Eu tinha vĂĄrias coisas que poderia fazer para tentar me manter ocupado”, disse Miller. “Ă estranho porque eu olho para trĂĄs e, naquele momento, parece que ficou tudo parado. AĂ tudo ficou muito lento e agora jĂĄ estamos chegando a um ano, Ă© como se tivesse passado em um piscar de olhos.”
Longe de seus companheiros dos Bears, Miller também encontrou tempo para fortalecer uma amizade especial com outro jovem jogador de futebol, Alex Ruiz.
Ruiz era um quarterback do terceiro ano do ensino mĂ©dio na Linfield Christian School em Temecula, CalifĂłrnia. Ele sofreu uma lesĂŁo quase idĂȘntica Ă de Zach Miller em 6 de outubro, trĂȘs semanas antes do jogador dos Bears. Ele fez a leitura da jogada e optou por manter a bola. Foi sackado pelos defensores adversĂĄrios e esperou pelo apito. Antes da jogada ser interrompida, no entanto, mais um jogador se jogou na pilha. Ruiz caiu, mas seu pĂ© de apoio estava fincado na grama. Sua perna direita estalou.
“Eu acabei ouvindo um estalo e depois todo mundo estava em cima de mim e por fim todos saĂram gritando por socorro”, contou. “Eu apenas repetia para mim mesmo que era um sonho: isso Ă© um sonho, isso nĂŁo estĂĄ acontecendo.”
Depois de esperar 25 minutos para uma ambulĂąncia chegar ao campo, Ruiz foi levado Ă s pressas para um hospital. Originalmente, acreditava-se que era apenas um joelho deslocado. Mais tarde, ele recebeu o mesmo diagnĂłstico que Miller faria: artĂ©ria poplĂtea rompida.
TrĂȘs semanas depois, Ruiz estava assistindo ao jogo dos Bears-Saints na TV e viu a lesĂŁo de Miller ao vivo e pensou que fosse nada, a princĂpio. Sua mĂŁe, no entanto, soube da lesĂŁo de Miller e procurou a estrela da NFL. Ela o contou que seu filho tinha acabado de sofrer a mesma lesĂŁo e que, talvez, os dois pudessem conversar.
Quase dois meses apĂłs a lesĂŁo, enquanto jogava Fortnite com seus amigos, Alex recebeu uma mensagem de texto de um nĂșmero que nĂŁo reconheceu. Era Zach Miller. O jogador lhe disse que eles teriam tempos difĂceis pela frente mas que, juntos, eles superariam isso.
Os dois trocaram histĂłrias e rapidamente se tornaram amigos. Ruiz falou com Miller sobre o que se deve esperar depois das cirurgias e Miller, por sua vez, manteve Ruiz motivado nos dias em que sentiu vontade de desistir.
“Ele Ă© a pessoa que me diz para tirar a bunda da cama e encarar o dia porque esse Ă© o tipo de pessoa que ele Ă©”, disse Ruiz. “NĂłs dois somos competidores e do tipo que competem para vencer. E a vida Ă© assim mesmo. Acho que se tem uma coisa o futebol nos ensina, Ă© exatamente isso. Que nĂŁo importa o quanto seja difĂcil, sempre hĂĄ vontade de vencer e sempre hĂĄ um jeito de vencer, entĂŁo, se vocĂȘ tem essa coragem e tem o desejo de realmente ser o melhor, e leva isso para a vida, nada vai parĂĄ-lo. ”
Alex não teve a mesma sorte que Zach Miller, no entanto. O diagnóstico não foi feito cedo o suficiente. O tecido ficou permanentemente danificado e foi determinado que a amputação seria a melhor solução. Em 26 de fevereiro, a perna direita de Ruiz foi amputada. Desde então, ele usa uma prótese e conseguiu retomar algumas de suas rotinas normais.
Na noite da Ășltima sexta-feira, Alex Ruiz voltou a campo para reencontrar seu time, 385 dias depois de sua lesĂŁo. Em sua segunda jogada na partida, no final do primeiro quarto, ele conseguiu a conexĂŁo com um receptor e lançou para touchdown.
Enquanto Ruiz conta com o apoio de Zach Miller, o tight end sabe que isso aconteceu com uma via de mĂŁo dupla.
“Por mais que as pessoas pensem em Alex se apoiando em mim, eu estava fazendo a mesma coisa apoiando-me nele.”
Na realidade de Ruiz, o jogador vislumbra como poderia ter sido sua vida.
“Isso poderia muito bem ter sido comigo”, conta. “Eu olho para essa situação e me sinto extremamente mal. Fico triste, entre tantos outros sentimentos que se sente por Alex, mas isso Ă© realmente real. Poderia ter sido eu em um instante”.
Uma situação extraordinåria
No dia 4 de junho, Ryan Pace, Gerente Geral do Chicago Bears, ligou para Zach Miller em seu escritório e lhe disse que os Bears iriam assinar com ele um contrato de um ano. Zach faria parte da equipe e teria acesso ao centro de treinamento e equipe do Bears para continuar sua reabilitação.
No dia seguinte Ă assinatura do contrato, a equipe o incluiu no Injury Report, efetivamente excluindo-o da temporada de 2018.
“A maioria dessas situaçÔes nĂŁo terminam desse jeito”, disse Miller. “Ă uma situação extraordinĂĄria, onde a lealdade que a franquia tem para mim tem sido inacreditĂĄvel, e foi com certeza um encontro emocionante para mim porque eu me senti reconhecido e realmente agradecido pelo que eles fizeram e continuam a fazer por mim ”
Como resultado, Miller fez o melhor para compensĂĄ-los. A impossibilidade de jogar nĂŁo o impediu de contribuir para o time. Ele vem trabalhando com os tight ends, colaborando com mais um par de olhos e sua voz veterana.
Ele destrincha o filme do jogo a cada semana e ajuda no plano de jogo para os prĂłximos adversĂĄrios, decifrando esquemas e situaçÔes junto aos tight ends mais jovens. Mas seu papel se estende muito alĂ©m de apenas um jogador-treinador, mentor, lĂder de torcida e amigo.
“Ele Ă© alguĂ©m que vai sair com vocĂȘ quando vocĂȘ estĂĄ tendo um dia ruim e ele vai animĂĄ-lo imediatamente”, afirmou Trey Burton. “Ele nĂŁo precisa estar lĂĄ, mas ele estĂĄ.”
Zach Miller se faz presente também para outros jogadores, particularmente o quarterback segundanista Mitchell Trubisky.
“Ele Ă© como um irmĂŁo mais velho para mim”, disse Trubisky. “NĂŁo hĂĄ nada comparado a ter alguĂ©m que realmente acredita em vocĂȘ. Eu acho que ele Ă© extremamente genuĂno na forma como ele acredita nas outras pessoas e no quanto ele adora esse jogo e adora fazer parte desta famĂlia.”
Quando ele não estå trabalhando com os tight ends ou na mentoria dos caras mais jovens, ele estå trabalhando com treinadores em sua reabilitação. Apesar de fazer grandes progressos durante todo esse ano, ele sabe que a realidade é que ele pode não voltar a jogar.
“Eu nĂŁo preciso voltar ao campo apenas para escalar a montanha”, declarou. “Eu posso escalar esta montanha sem que isso seja o objetivo final. Ă exatamente isso o que eu quero fazer. Eu amo jogar futebol e eu quero continuar a jogar. Se eu nĂŁo puder, eu tenho que aceitar.”
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— Zach Miller (@ZMiller86) July 30, 2018
Recepção Excepcional para touchdown
EntĂŁo, sobre aquela bola que falta – a que seria a recepção para touchdown de nĂșmero 16 da carreira de Zach Miller – a que pĂŽs em movimento todo os eventos do ano passado, o presidente do Chicago Bears, George H. McCaskey a entregou nas mĂŁos do jogador quando ele ainda estava no hospital em Nova Orleans.
Agora tambĂ©m estĂĄ na casa dos Miller na regiĂŁo de Chicago, mas recebeu uma inscrição ligeiramente diferente das outras bolas. Gravado acima “Touchdown Catch” estĂĄ a palavra “Excepcional”.
Old rule, new rule… always was and always will be, A… pic.twitter.com/WbFSwJ0kN9
— Zach Miller (@ZMiller86) March 26, 2018
“Atualmente, essa Ă© efetivamente a minha Ășltima recepção para touchdown”, conta. “As pessoas podem dizer o que quiserem sobre essa aterrissagem, mas foi uma jogada de touchdown porque eu sei que eu peguei e fiz questĂŁo de segurar essa bola.”
Além de estar separada das outras bolas de touchdown em sua casa em Omaha, Zach Miller não tem certeza de qualquer outro plano futuro para essa bola.
“Ă medida que envelheço e ganho sabedoria, eu vejo que terei uma histĂłria pra contar sobre tudo isso.” disse. “Tenho certeza de que haverĂĄ alguma lição a ser aprendida.”
Perguntado se ele jå sabe que lição é essa, Zach pensa por um momento.
“Persistir”, responde.
Um ano atrĂĄs, em Nova Orleans, na endzone, e todos os dias desde entĂŁo, Zach Miller fez exatamente isso.
via ChicagoBears.com