NFL100 – Colts deixam Baltimore e vão para Indianapolis

Faltam 34 dias para a 100ª temporada da NFL e hoje relembramos mais uma grande história da liga: momento em que uma franquia saiu de uma cidade na calada da noite! Acesse fumblenanet.com.br/nfl100 para conferir outras histórias épicas!

 

A mudança dos Colts de Baltimore para Indianapolis é muito provavelmente uma das maiores realocações de um time de uma cidade para outra. Para alguns, é no mínimo a mais icônica, dada a forma como aconteceu e pelas consequências futuras na National Football League. Inicialmente, gostaria de pedir que você, como leitor, deixasse de lado a frase “Robert Irsay roubou o Colts de Baltimore” que é comumente propagada e abrisse a sua mente para analisar o contexto histórico da mudança. Para analisar a situação não nos basta observar um recorte histórico a partir do momento que Robert Irsay passou a ser o dono dos Colts. Para compreender tudo o que pavimentou a mudança dos Colts precisamos voltar à época em que Carroll Rosenbloom ainda era o dono do time.

A era Rosenbloom

Carroll Rosenbloom – Dono do Baltimore Colts

Carroll Rosenbloom era nativo de Baltimore e foi dono do time entre 1953 e 1972. Ele era naturalmente uma figura um tanto quanto controversa, seu próprio filho, Steve Rosenbloom, admitia que o pai gostava de ver “as coisas pegando fogo” ao seu redor. Mas uma coisa não podia ser negada, Carroll amava o time! Marvin Mandel, ex-governador de Maryland e amigo de Rosenbloom fazia questão de destacar que “Carroll era um dono excelente, um dos melhores que já viu na NFL”. Ainda que o time vivesse seus primeiros anos da história como Baltimore Colts, previamente Dallas Texans, Carroll prometeu que em cinco anos o time seria totalmente diferente. Promessa feita era promessa cumprida: em 1957 os Colts foram time de playoffs e em 1958 e 1959 conquistaram o título da NFL com um time talentoso liderado pelo lendário QB Johnny Unitas.

Carroll era um dono extremamente dedicado ao time. Era próximo aos jogadores, por muitas vezes fazia questão de observar as finanças do time de perto, mas nunca se intrometia nas funções de Weeb Ewbank, então Head Coach do time (seguido por Don Shula) ou nas de Don Kellett, o General Manager dos Colts. Steve Rosenbloom ainda dizia que o seu pai “sentia que o time precisava de uma liderança forte, mas além disso criou uma relação familiar com jogadores e comissão técnica”. O apreço dos jogadores era tamanho que Gino Marchetti, defensive end que jogou pelo time, fez questão que Rosenbloom realizasse o discurso de seu ingresso ao Hall da Fama em 1972. Opiniões diferentes eram despertadas a depender de como você conhecia Carroll. Gene Klein, ex-dono do Los Angeles Chargers, acreditava que além de uma pessoa complexa, inteligente e as vezes desagradável, o dono do Colts ainda passava a impressão que se você cruzasse seu caminho ele seria capaz de te tirar dele, a qualquer custo.

Memorial Stadium na década de 1950 em jogo do Baltimore Colts

Foi exatamente todo o cuidado com o time e a preocupação com o público presente no Memorial Stadium que levou Rosenbloom a criar um atrito com o governo da cidade de Baltimore. Na época o estádio era dividido com o Baltimore Orioles, da Major League Baseball. Em uma primeira aproximação, a cidade não queria ajudar na construção de um novo estádio para os times compartilharem, ainda que o público diminuísse continuamente dadas as condições do mesmo. Já existia uma tensão entre Carroll e os demais donos minoritários do time, que devido a vários episódios acabaram vendendo as suas respectivas partes ao dono majoritário. Quando procurado, o então dono do Baltimore Orioles, Jerry Hoffberger, recusou a proposta de Rosenbloom de dividir os custos para um novo estádio compartilhado entre os times.

Mas não se enganem, tudo se tratava do quanto Rosenbloom iria ganhar com um novo estádio ou um reformado Memorial Stadium. Os torcedores não pediam por mais conforto, mas para os donos dos times, seria deles a responsabilidade de pagar por isso, por meio de um fundo público. As coisas esquentavam cada vez mais, a ponto de Rosenbloom ameaçar uma mudança forçada para Tampa, recusada por outros donos da NFL. O jogo para uma realocação começou ali.

Carroll nunca pretendeu levar o time para Tampa, a todo momento sua pretensão era uma mudança para a Costa Oeste, Los Angeles! Público diminuindo, menor renda, a última coisa que o dono de um time poderia estar era feliz. Rosenbloom agia, assim como os demais donos de times, como um político e tentava comprar a imprensa com presentes, que muitos já recusavam. O desgaste na cidade se tornou a desculpa perfeita para a troca com Robert Irsay pelo Los Angeles Rams.

Irsay e Rosenbloom acertam a troca

O acordo entre Irsay e Rosenbloom foi feito em duas partes: o primeiro, e indispensável, passo para a troca foi a aquisição do Los Angeles Rams por parte de Robert Irsay, numa transação de US$ 19 milhões. O segundo passo, mas não menos importante, foi a simples troca entre donos, sem dinheiro envolvido. Irsay, grande admirador de Johnny Unitas, teria 51% dos direitos da franquia, enquanto Willard Kelland teria 49%. Rosenbloom conseguiu uma franquia sediada em Los Angeles, feito que procurava alcançar há algum tempo, especialmente após o criticismo que enfrentava por parte da imprensa de Baltimore. Com a troca, todos os envolvidos sairiam felizes.

O último encontro com a “família” que Carroll criou não foi menos impactante. Já com o acerto, mas sem a troca oficializada, Rosenbloom se reuniu com os jogadores. Tom Matte, ex-jogador do Colts, lembra que o discurso foi enfático: se a imprensa me acha ruim, esperem só quando experimentarem um pouco do cara que está vindo depois de mim. O Colt ainda complementa que depois do primeiro encontro com Robert Irsay, onde o dono estava bêbado e mal conseguia pronunciar as palavras, ele e Unitas concordaram que Rosenbloom estava certo.

O início da Era Irsay

Com um time nas mãos a primeira coisa que Robert Irsay fez foi anunciar que os Colts, ao menos inicialmente, iriam permanecer em Baltimore e que ele trabalharia para conseguir um acordo de cooperação com a cidade para a construção de um novo estádio. Kelland, novo dono minoritário, vendeu sua parte do Miami Dolphins e rumou a Baltimore, levando com ele um dos diretores do time para ser o novo general manager dos Colts: Joe Thomas. Guardem esse nome…

Robert não era exatamente o cara mais experiente com futebol, seu negócio eram chapas de metal em Chicago, então a solução do problema no comando do time era encontrar alguém que conhecia o jogo. Ou ao menos alguém que acreditavam que conhecia o jogo. Thomas ignorou completamente a cultura estabelecida no time do Colts, o relacionamento aberto e o diálogo entre jogadores veteranos, coaching staff e front office. Logo de cara fez 13 negociações que envolviam jogadores, incluindo um dos ídolos do time: Johnny Unitas. De quebra ainda demitiu o então head coach, Don McCafferty. Ficava cada dia mais claro que o antigo time dos Colts tinha acabado ali.

Boneco de Robert Irsay em meio a torcida dos Eagles.

O próprio Robert Irsay admite que errou com Thomas, especialmente por seu homem de confiança perder o respeito de toda a cidade de Baltimore. Pego no meio de um fogo cruzado, sem qualquer maturidade mas tentando uma aproximação (falha) ao time, Robert deixou seu lado rude aflorar. Em um jogo contra os Eagles, em 1974, o dono do time sugeriu que o HC trocasse o QB titular do time, com quem já tinha um atrito. Howard Schnellenberger recusou a troca de titularidade e acabou sendo demitido após o jogo. Mike Curtis, LB All-Pro durante as décadas de 60 e 70 pelos Colts, considera que Bob teve “má sorte” com a situação. O ex-jogador acredita que mesmo com o jeito torto de Irsay, ele apenas queria ser parte do time, tomar uma cerveja com os jogadores após o jogo e que gostassem dele. Mesmo em meio a inúmeros problemas, Thomas acumulou também o cargo de HC do time.

Na temporada seguinte Ted Marchibroda assumiu o time depois de Joe Tomas falhar como HC ao fim da temporada anterior. Problemas não faltaram e dado o sucesso de Ted como head coach, depois de idas e vindas do treinador, Joe Thomas acabou demitido e Irsay se distanciou do time. Entrava treinador, saia treinador e Robert continuava a dar seus palpites um tanto quanto absurdos sobre a escalação do time. Não bastavam todos os problemas com relação ao time em campo, técnicos e membros da direção do time. Em 1976, quatro anos após negar uma realocação, Irsay voltou a negociar uma ida do time para Phoenix. As coisas funcionavam como um ciclo vicioso: rumores de realocação, diminuição do número de torcedores no estádio, mais rumores de realocação, problemas para a construção de um novo estádio, mais rumores de realocação e assim por diante…

Los Angeles, Memphis, Phoenix e Jacksonville. Opções para Irsay não faltavam e uma realocação parecia muito mais próxima que uma conciliação por um novo estádio. Richard Sammis, amigo pessoal de Irsay em Baltimore relatou ao Sports Illustrated em 1986 um dos motivos pelos quais o Memorial Stadium “não servia mais” para o time: “você tem que lembrar que existem 28 donos (de times na NFL) com 28 egos gigantes. Irsay ia aos outros estádios e tinha um camarote privado com comida e bebidas, então ele queria retribuir isso aqui (em Baltimore), onde você sequer poderia comprar um sanduíche”. Mais uma vez a briga de egos e a vontade de satisfazer os interesses próprios falava mais alto.

Os primeiros problemas e a realocação

O ano de 1979 foi o momento em que Irsay começou a propriamente “vender” o time para outras cidades. Entrou em contato com os responsáveis pela administração do Los Angeles Memorial Coliseum, depois com Jake Godbold, ex-prefeito de Jacksonville. John Malmo, um executivo que negociava para a realocação para Memphis, chegou a se encontrar com Irsay para fechar um negócio de US$65 milhões em nove anos. Cada proposta, por motivos diferentes e diversos, não foram concretizadas.

Em 1980 veio o primeiro “golpe” para a cidade de Baltimore, quando Irsay se recusou a assinar um contrato de US$23 milhões que seriam investidos numa reforma do estádio em troca da permanência do time por mais 15 anos na cidade. A recusa ocorreu por Irsay acreditar que os Orioles também deveria ser incluído no acordo, uma vez que iriam desfrutar das mesmas melhorias que o Colts. Posteriormente, em 1981 um acordo de dois anos foi firmado com termos considerados “extremamente favoráveis” ao time.

Mas como dizem alguns, “desgraça pouca é bobagem”, e as polêmicas envolvendo os Colts não paravam de aumentar. Dessa vez, o time selecionou John Elway no Draft de 1983 para ser seu QB, que prontamente anunciou que não jogaria em Baltimore. Alguns dizem que na verdade John quis dizer que não jogaria “para Irsay e Kush” que era o HC do time na época. Mas isso é outro assunto bem complicado. O fato é que Elway foi para Denver em troca do OL Chris Hinton, a escolha de primeira rodada de Draft de 1984 e o QB Mark Herrmann. O episódio só ajudou as coisas ficarem ainda mais quentes na cidade e não importava quantas vezes Irsay falasse que não iria se mudar, ninguém acreditava, e com razão.

Robert Irsay vs William Donald Schaefer, advogado da cidade da Baltimore em 20 de janeiro de 1984

O episódio mais icônico da briga pública entre o governo de Baltimore e Irsay aconteceu às vésperas do Super Bowl em 1984, quando Robert estava em Las Vegas para uma reunião com Bruce Babbitt, governador do Arizona. Uma notícia vazou que os Colts iria de vez para Arizona. Prontamente Irsay voltou a Baltimore e interrompeu uma entrevista do Schaefer, prefeito da cidade. As imagens dizem tudo, Robert estava completamente fora de si, claramente havia bebido demais, ofendeu todos que conseguiu olhar nos olhos na entrevista. Mais uma vez disse para todos que estavam na entrevista que o time não sairia de Baltimore.

Em março de 1984 a NFL enfrentava problemas com Al Davis e os Raiders. Mesmo que Robert não tenha comparecido a reunião da liga no Hawaii, enviou seu filho Jim (atual dono do Colts), para representá-lo. Enquanto isso as negociações entre Baltimore, Phoenix e os Colts ganharam um novo integrante: a cidade de Indianapolis. A liga deixou claro no encontro que não iria se opor a uma realocação dos Colts, abrindo assim o caminho para Irsay. Uma última oferta foi feita ao time, bastante generosa, o que provavelmente faria com que o time permanecesse na cidade. Mas foi aí que veio a gota d’água.

Os Colts anunciam a saída para Indianapolis – matéria publicada na época

Em 27 de março de 1984 foi aprovada uma legislação na Maryland House of Delegates que permitia que a cidade de Baltimore tomasse o time de Robert Irsay por meio de um processo de domínio eminente. Você pode imaginar como Bob recebeu essa notícia pela manhã do dia 28 de março, lendo-a num jornal. Prontamente, o dono dos Colts informou ao prefeito de Indianapolis, William Hudnut, que o time estava se mudando para a cidade.

Mike Chernoff, conselheiro de Irsay no time, destaca que Robert foi obrigado a tomar uma decisão naquele dia: “foi como colocar uma arma na cabeça dele (Robert) e perguntar ‘Quer saber se ela está carregada?’. Muitos falam como nós saímos de Baltimore na escuridão, mas quem realmente estava nela?”. Já para o governador de Maryland, Harry Hughes, “todas as demandas razoáveis por parte de Irsay foram aceitas, mas elas mudavam constantemente”. A NFL não se opôs, especialmente por ver as cifras do acordo de Indianapolis com os Colts e por enfrentar problemas de realocação dos Raiders.

Robert Irsay (direita) em entrevista após chegada a Indianapolis e Jim Irsay (esquerda), filho de Robert e então GM do time.

Foi no dia 2 de abril que os caminhões da Mayflower chegaram a Indianapolis. O Hoosier Dome estava tomado, a banda marcial fez sua apresentação, a população fazia barulho, todas pessoas consideradas importantes na cidade estavam presentes. David Frick, um advogado que ajudou nas negociações entre a cidade e Irsay discursou: “é um grande dia para Indianapolis”. A cidade estava preparada para receber uma franquia da NFL, apenas esperou “pelo momento certo e a hora certa”. Durante a apresentação de chegada do time, Robert fez questão de ressaltar que “dinheiro não era o problema” que levou à realocação, mas a pressão constante e perseguição pela população e governo.

Cartoon editorial do Baltimore Sun em 1º de abril de 1984.

O documentário The Band That Wouldn’t Die, dirigido por Barry Levinson, parte da série 30 for 30 da ESPN conta um pouco da história da banda marcial que tocava nos jogos dos Colts e posteriormente nos jogos do Baltimore Ravens. Uma interessante visão de quem estava intimamente ligado ao time e foi o principal afetado juntamente ao restante da torcida. Para a torcida é no mínimo chocante ver um casamento de 31 anos acabar da forma como foi. Honestamente não consigo imaginar como deve ser pra uma torcida ver caminhões saindo da sua cidade em meio a uma nevasca com o que é o seu time. A companhia Mayflower, que realizou a mudança, pertencia a amigo do prefeito de Indianapolis, Hudnut. A sensação de estar sendo roubado era legítima, mas não podemos eximir qualquer uma das partes (Robert Irsay e o governo de Maryland e Baltimore) da culpa de uma mudança nas circunstâncias em que aconteceu.

Já são 35 temporadas como os Colts de Indianapolis mas a história muitas vezes ainda parece nebulosa. Na nova cidade os Colts já ganharam um Super Bowl, tiveram um dos melhores jogadores da história do esporte, enquanto Baltimore ganhou um novo time. Um acontecimento similar aconteceu com uma realocação do antigo Cleveland Browns mas isso é outro assunto… Enquanto isso a rivalidade entre as duas cidades e franquias ainda é alimentada.

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